Em cartaz na Cidade das Artes, Bruce Brandão conta como largou a performance de ator nas ruas da cidade para viver nos palcos o mundo da bipolaridade e esquizofrenia
Bruce Brandão caminhava pelas ruas de Natal, em 2009, quando olhou para o cartaz de uma peça de teatro chamada “Borderline”. Ele não a assistiu, mas o nome nunca mais saiu de sua cabeça. Na verdade, é como se o transtorno de personalidade tivesse entrado na mente de Bruce. Pesquisando na internet, se familiarizou com o tema. No livro “Corações descontrolados. O jeito borderline de ser”, encontrou um mundo até então desconhecido. Com o seu figurino de Carlitos na mala, se mandou para o Rio de Janeiro em busca de novos desafios. Não demorou muito para ficar conhecido como o “Chaplin da Zona Sul”, devido às performances que realizava nas ruas. Bruce foi atrás do autor da peça e, hoje, comemora cinco anos em cartaz com o monólogo “Borderline”. O espetáculo, que fala sobre bipolaridade, esquizofrenia, desejo, loucura e lucidez, está em cartaz na Cidade das Artes até o dia 1 de setembro.
Indicado em 2015 a melhor ator no 3º Prêmio Botequim Cultural, Bruce traz ao palco o drama de Rutras, personagem que se posiciona diante de questões íntimas relacionadas a família, sexualidade homoafetiva, incesto, HIV, mundo cibernético e dependência química.
“No início eu estava motivado a visitar clínicas psiquiátricas, manicômios, mas, após muita pesquisa, percebi que o manicômio estava dentro de cada indivíduo, que esse jeito borderline era um labirinto, um lugar extremamente difícil de ser desvendado”, revela Bruce. “O entendimento sobre o transtorno me fez galgar outros degraus. Percebi que é um jeito de ser. Quem já não teve medo de rejeição, impulsividade, ciúmes e sensação de abandono? Porém, quando se trata de um border, o olhar é outro. Tudo tem intensidade! Olhar poeticamente a doença é mergulhar no desconhecido”, completa o ator.
Por quase três anos, Bruce chegou a se apresentar nas ruas da cidade como Carlitos. Seu desempenho ganhou até as páginas de cultura do extinto Jornal do Brasil. E o amor pelo personagem rendeu uma tatuagem de Chaplin em sua perna.
“Sou muito intenso nas coisas que vivo. Fui a cinco sapateiros para fazer um sapato igual ao do Carlitos. O meu figurino era idêntico ao dele”, recorda.
Se pensou em desistir durante esse tempo?
“Todos os dias”, diz, aos risos. “Eu chegava a dormir na rua, era desgastante. A performance já começava no ônibus, ao sair de casa, de manhã, na Freguesia. De lá, percorria as ruas de Copacabana encenando o personagem. Quando dormia na rua, acordava com os mendigos tentando roubas as moedas que havia conseguido”.
Em uma de suas apresentações na rua conheceu o ator Rodrigo Santoro e, mais tarde, recebeu um convite para participar de um filme do ator famoso. “Eu fazia um dos capangas de Selton Mello. Perseguia o Rodrigo e só tinha uma fala: “Entra”. Lembro que quase colei no peito dele para dizer isso, tentando aparecer um pouco mais na cena”, recorda, com mais risos.
Diretora de produção da peça e coach do ator, Viviani Rayes elogia o trabalho de Bruce: “É um enorme prazer produzir esta edição comemorativa do monólogo “Borderline”, não só pela importância da data, mas pelo conteúdo contundente do espetáculo e a forma generosa com que o ator Bruce Brandão se entrega ao seu personagem”.
O crítico de teatro Gilberto Bartholo é outro que se rende à performance de Bruce no espetáculo. “Foi uma das melhores surpresas em teatro dos últimos tempos. Conta com uma boa direção, traz um excelente texto e, o melhor de tudo, nos apresenta um ator simplesmente fantástico”, incensa.
Bruce agora precisa partir. Ele já está parado de carro em frente à nossa redação, num pit stop de meia hora para bater esse papinho com a gente. O ator vai para Vargem Pequena, onde mora atualmente e, mais tarde ainda, vai viver um motorista de Uber. Só que não se trata de personagem. Bruce trabalha como motorista nas horas vagas...
Bruce na capa da Folha de julho
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